A música litúrgica na Igreja de hoje
Precisamente a Constituição sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, afirma com evidente empolgação: a Tradição musical da Igreja é um tesouro de inestimável valor, que excede todas as outras expressões de arte, sobretudo porque o canto sagrado, intimamente unido com o texto, constitui parte necessária ou integrante da liturgia solene.
O canto sacro foi enaltecido quer pela Sagrada Escritura, quer pelos santos Padres e pelos Romanos Pontífices, que recentemente, a começar por São Pio X, definiram, com insistência, a função ministerial da Música Sacra no culto divino (...). Os atos litúrgicos revestem-se de formas mais elevadas quando os oficios, aos quais assistem os ministros sacros e nos quais o povo participa ativamente, são celebrados com canto.
Quatro anos mais tarde, a Instrução da Sé romana “Musicam Sacram”, de 1967, levando em consideração as diretrizes conciliares e fazendo eco à mais antiga tradição, assim se expressa: “A ação litúrgica reveste uma forma mais nobre quando é realizada com canto, cada ministro exercendo a função que lhe é própria, e o povo participando. Sob esta forma com efeito, a prece se exprime de maneira mais penetrante; o mistério da liturgia, com suas características hierárquica e comunitária, se manifesta de maneira mais explícita; a unidade dos corações é mais facilmente atingida pela união das vozes; os espíritos se elevam mais facilmente da beleza das coisas santas até as realidades invisíveis; enfim, a celebração como um todo prefiguram mais claramente a liturgia celeste, que se realiza na nova Jerusalém”.
A partir do Concílio Vaticano II, algumas intuições e critérios vão inspirando e provocando providencialmente toda uma renovação da música litúrgica:
• Liturgia é a celebração do Mistério Pascal realizado pelo Povo de Deus: a participação das pessoas, da assembléia, como exercício do novo sacerdócio, com Cristo, por Cristo e em Cristo, é de fundamental importância e constitui valor primordial;
• Canto e música, antes de ser obras codificadas para execução, são gesto vivo, experiência existencial; são vivência simbólica “aqui e agora”, antes de ser repertório ao qual as pessoas devam se adaptar;
• Canto e música participam da dimensão sacramental da liturgia: são símbolos importantes do Mistério de Cristo e da Igreja, e não ornamento exterior; são encarnação, em estruturas comunicativas, da Palavra, do diálogo salvífico entre as Pessoas Divinas e as pessoas humanas, e não elementos rituais e estéticos de uma religiosidade qualquer;
• Canto e música, no contexto da ação litúrgica, não são realidades autônomas, mas funcionais: estão aí a serviço do Mistério da Fé, da assembléia sacerdotal. A partir de então, artistas e demais atores se empenharão em encontrar a expressão musical mais bela e adequada, levando em conta o rito e as pessoas que vão executá-lo, O que deve prevalecer não são os gostos, a estética individual de cada um, mas a essencialidade do Mistério e a participação frutuosa e prazeirosa de todos. Os agentes litírgico-musicais desempenharão tanto melhor o seu papel, quanto melhores interpretes forem da fé, da vida e do jeito de ser da sua gente;
• Canto e música, partindo de bases antropológicas e do universo cultural de quem crê, devem possibilitar a expressão verdadeira da assembléia, bem como a autenticidade de sua participação;
• O repertório do passado e as novas criações não devem ser vistos como bens culturais, ostentados para dar prestígio à instituição ou embelezar suas cerimônias, mas como subsídios simbólicos a ser aproveitados por comunidades concretas, de forma realmente significativa e participativa.
O canto novo deve brotar de comunidades evangelicamente novas, eclesialmente abertas, culturalmente contemporâneas. Não devemos esconder, porém, quanto é longo, duro e não sem quedas e desânimos o caminho dessa novidade.